O Quarto de Jack: sofrimento e esperança de Dentro pra Fora.
Uma cama. Um armário. Uma banheira. Uma pia. Uma privada. Um tapete. Uma mesa. Quarto, sala, cozinha e banheiro. Todos aglomerados num espaço dois por dois, sem janelas. A luminosidade vem de uma clarabóia no teto do “quarto”. Dentro, tratados como o restante dos objetos há duas pessoas. Uma menina – mulher de 24 anos, ou até mais pela aparência judiada pelo tempo – e um garoto de 5 anos, recém completados. Aprisionados pelo tempo, aprisionados para a vida toda. Consegue imaginar?
Não é um fenômeno raro vermos atores mirins chamarem a responsabilidade de um filme todo para si. Pegue, por exemplo, Haley Joel Osment no perturbador O Sexto Sentido, Abigail Breslin no divertido e tocante A Pequena Miss Sunshine, ou ainda Dakota Fanning em todos os filmes que fez quando criança, em especial Uma Lição de Amor. Taí, as estatísticas não negam que a incidência de boas atuações pelos pequenos é alta e a lista poderia se estender o texto todo.
Ainda assim, por mais que se crie a expectativa nos pequenos, seja de uma carreira sólida ascendente ou de uma chuva de contratos milionários para protagonizarem longas de Hollywood, as premiações são menos levianas, quase sempre deixando de fora da disputa esses nomes ainda desconhecidos, mas porque não, promissores. Vale lembrar, tudo ao seu tempo.
Esse é o caso do garoto Jacob Tremblay, que ganhou seu primeiro papel de protagonista no filme O Quarto de Jack (Room, EUA, 2015), nossa estreia da semana, adaptada da obra literária da irlandesa Emma Donoghue.
Carismático, divertido e pra lá de competente, Tremblay dá vida – e que vida – ao garotinho Jack, de apenas 5 anos de idade – na vida real ele tinha 8 quando filmou. É nessas qualidades que não nos surpreendem na inocência de uma criança, mas que nos empolga quando encontramos num adulto, que Ma (a excelente Brie Larson, indicada e favorita ao Oscar de Melhor Atriz desse ano) se apega para tentar fazer seus dias no cativeiro serem menos difíceis.
São anos ali, abusada fisica e psicologicamente por um cara de quem ela não sabe quase nada, nem o nome, por isso o apelida de Velho Nick. São reconfortos paliativos para uma situação pra lá de absurda, mas que acontece mais do que imaginamos. E choca cada vez que descobrimos.
Por mais que seja baseado na obra literária de Emma Donoghue, que também assina a adaptação do roteiro, o longa choca pelo seu realismo. É uma montanha-russa de sentimentos, e quem comanda tudo isso é o pequeno Jack. Concebido, nascido e criado dentro do quarto que dá nome à fita, ele nada conhece do mundo de fora e do muito que vê pela tela da Tv, pouco acredita ser verdade.
Eu poderia facilmente dizer que angústia de ver essas duas personagens amontoadas como bicho é o que move o espectador a sentir O Quarto de Jack, mas a ótica provavelmente seria do copo meio vazio. Pensando positivo, o que realmente nos move continua sendo a angústia, ou melhor dizendo, a ansiedade de ver aquela situação sair do ciclo vicioso. É a esperança pelo momento de libertação. Sem spoilers, pois quem viu ao menos o trailer sabe como as coisas vão se desenrolar.
Ainda assim, engana-se quem pensa que o lado de fora se exima de complexidade. Claro, nada se compara às agruras do isolamento forçado, mas a corrosão do mundo externo, o fetiche que o ser humano tem pelo grotesco, pela dor alheia, também não são fáceis de se viver, especialmente quando no meio de tudo isso, ainda há uma gigantesca dificuldade de aceitação que o mundo continuou a girar, mesmo sem você ali. Ma sente o baque na pele, carne e osso e é aqui que Brie Larson se revela a merecedora de tudo que vem conquistando com O Quarto de Jack.
Linda, tocante, engraçada – por mais sádico que esse adjetivo possa parecer frente à temática de abuso -, de nada valeria a fita não fossem as mãos oras leves, oras pesadíssimas, de Lenny Abrahamson, um diretor ainda cru e low profile que tem na bagagem o esquisitão e interessante Frank, mas que mostra mesmo a que veio com esse trabalho.
Algumas cenas poderiam ser mais extensas e explícitas ao senso comum, sem dúvida, mas o intrínseco muitas vezes é o que nos obriga imaginar, ir além do que está arremessado na tela. E nessa obra, indicada ainda nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado, a imaginação é um elemento indispensável para a sobrevivência.
Estreiam: O Boneco do Mal, Cinco Graças, O Lobo do Deserto e Horas Decisivas.
Trailer: